Opinião / Justiça e Constituição
O princípio da desigualdade e o julgamento do deputado Ramagem no STF
Ives Gandra da Silva Martins defende que interpretação da Corte afronta o juízo natural previsto na Constituição
26/05/2025
16:00
Ives Gandra da Silva Martins*
©Andreia Tarelow
Desejo expor, aos amigos leitores, uma reflexão jurídica que mantenho como advogado e professor universitário, baseada em minha leitura da Constituição Federal — uma leitura doutrinária, que pode estar equivocada, mas que, enquanto não convencido do contrário, continuarei defendendo.
A decisão recente da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que decidiu julgar conjuntamente todos os envolvidos no processo que inclui o deputado Alexandre Ramagem, acende um alerta quanto à interpretação do foro privilegiado e ao princípio constitucional da isonomia.
Acompanhei de perto os trabalhos da Constituinte por 20 meses e posso afirmar que o texto constitucional é claro: apenas as autoridades nomeadas expressamente no artigo 102 têm foro por prerrogativa de função no STF. Quem não figura ali, deve ser julgado por seu juiz natural — ou seja, em primeira instância.
Ministros como Marco Aurélio Mello, ex-presidente da Suprema Corte, com quem compartilho assento na Academia Internacional de Direito e Economia, têm defendido o mesmo ponto de vista: não cabe à Corte ampliar a sua própria competência, levando a julgamento pessoas que deveriam ser processadas por juízes de primeira instância.
O caso Ramagem demonstra, a meu ver, o problema dessa ampliação. Sete acusados supostamente cometeram os mesmos crimes. Todos estão na mesma ação. No entanto, um deles — por decisão da Câmara dos Deputados — responderá apenas por parte das acusações. Ou seja, mesmo com imputações idênticas, haverá tratamento desigual em um mesmo julgamento.
Isso fere o artigo 5º da Constituição, que garante que “todos são iguais perante a lei”.
Se pessoas com a mesma conduta criminosa são julgadas por tribunais diferentes — ou, como agora, pela mesma Corte, mas com filtros distintos de responsabilidade — temos uma violação ao princípio da isonomia e ao devido processo legal.
Mais grave ainda: aqueles que não têm foro privilegiado e que, pela Constituição, deveriam ser julgados em primeira instância, acabam sendo levados ao STF sem que tenham as mesmas garantias daqueles cujas prerrogativas foram respeitadas pela Câmara. O resultado? Possivelmente penas mais severas, sem o direito ao duplo grau de jurisdição, o que reforça o desequilíbrio.
A interpretação que se impôs na Suprema Corte alarga, indevidamente a meu ver, a sua própria competência. E isso não apenas infringe o texto do artigo 102, como também subverte o conceito de foro privilegiado ao expandi-lo para quem não o detém.
O Constituinte foi taxativo: quem não está listado no artigo 102 não tem foro no STF.
Minha opinião é a de um “professor de província”, como costumo me definir, mas não posso deixar de contribuir com o debate. A posição que aqui defendo é, repito, a mesma que sustentam juristas experientes como Marco Aurélio Mello, cuja história no STF inclui a criação da TV Justiça e um legado de defesa das garantias fundamentais.
Que fique como reflexão acadêmica e constitucional para todos os que se preocupam com o Estado Democrático de Direito e com a isonomia de tratamento no sistema judicial brasileiro.
Sobre o autor:
Ives Gandra da Silva Martins é professor emérito do Mackenzie, Unip, Unifieo, UniFMU, da Eceme e da Escola Superior de Guerra, além de catedrático da Universidade do Minho (Portugal). Foi presidente da APL e do Instituto dos Advogados de SP, e preside o Conselho Superior de Direito da Fecomercio-SP.
Os comentários abaixo são opiniões de leitores e não representam a opinião deste veículo.
Leia Também
Leia Mais
Revisão da Lei Magnitsky expõe racha entre aliados de Eduardo Bolsonaro e gera troca de ataques nas redes
Leia Mais
Alexandre de Moraes agradece Lula por retirada de sanções da Lei Magnitsky
Leia Mais
Moraes agradece atuação de Lula após EUA retirarem sanções impostas pela Lei Magnitsky
Leia Mais
Sicredi reúne conselheiros do FCO/MS e reforça compromisso com ampliação do crédito em 2025
Municípios