MEIO AMBIENTE
Fumaça e tempo seco antecipam crise do clima e viram desafio para cidades brasileiras
Impactos das mudanças climáticas e desigualdade social se agravam com a falta de chuva e calor extremo
15/09/2024
10:30
DA REDAÇÃO
Campo Grande (MS), nesta manhã de domingo ©FRANCISCO BRITTO
O céu coberto de fumaça, incêndios, a falta de chuvas e o calor escaldante nas últimas semanas oferecem um alerta antecipado sobre as condições climáticas que as cidades brasileiras enfrentarão nos próximos anos. O aumento de eventos climáticos extremos, como secas prolongadas, chuvas intensas e ondas de calor, tende a se tornar mais frequente, exigindo respostas mais eficazes de governos e da sociedade.
De acordo com Ana Paula Cunha, pesquisadora de secas do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), a frequência de dias sem chuva deve aumentar consideravelmente até 2040, especialmente nas regiões Centro-Oeste e Norte. "Na Amazônia, temos de 30 a 60 dias sem chuva. Em Rondônia, já são mais de 90 dias, e a projeção é de até 10 dias a mais sem chuvas até 2040", explica.
A seca prolongada, combinada com incêndios florestais, intensifica a poluição do ar e provoca uma piora nas condições de saúde da população. Um levantamento do Cemaden apontou que 1.315 municípios brasileiros tiveram pelo menos 30 dias secos acima da média histórica de dias sem chuva nos últimos 24 anos.
Em Campo Grande (MS), a situação também se agrava com a seca prolongada e os incêndios que afetam a qualidade do ar e a saúde dos moradores. O aumento do número de dias sem chuvas e a intensa concentração de material particulado na atmosfera têm trazido alertas constantes das autoridades de saúde. Além disso, as ondas de calor extremo dificultam a vida da população, especialmente nas áreas mais vulneráveis da cidade, onde o acesso a saneamento e infraestrutura é limitado.
Nos últimos meses, a capital de Mato Grosso do Sul também tem registrado níveis alarmantes de queimadas nas áreas rurais e periurbanas, ampliando a concentração de poluentes no ar e contribuindo para a ocorrência de eventos como a chuva preta, um fenômeno relacionado à fuligem das queimadas na região.
Cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Fortaleza, Salvador, Recife e Campo Grande são particularmente vulneráveis, de acordo com o professor Mário Mendiondo, da Escola de Engenharia de São Carlos, da USP. Um dos principais fatores é a desigualdade social, já que muitos moradores dessas cidades vivem em áreas com saneamento inadequado e pouca infraestrutura para enfrentar o calor e as enchentes.
A crise climática também afetará diretamente a renda das pessoas. Um estudo publicado na revista Nature em abril deste ano apontou que o Brasil sofrerá uma queda de 21,5% na renda até 2049, maior do que a média global de 19%.
Além disso, a compra de ventiladores, máscaras, umidificadores e gastos médicos devem aumentar, segundo Mendiondo, à medida que o clima extremo se intensifica. "Se a situação continuar nos próximos 30 dias, muitos estados poderão recomendar a suspensão de atividades à tarde, quando as temperaturas são mais altas", alerta o professor.
A seca não é o único desafio. As enchentes continuam sendo um problema recorrente nas cidades brasileiras, agravado pela ocupação desordenada de áreas de risco e a falta de infraestrutura adequada. Segundo Julio Pedrassoli, pesquisador da equipe Urbano do MapBiomas, muitas capitais brasileiras, incluindo Campo Grande, não adotaram medidas eficientes para enfrentar a crise climática.
Ele cita que, nos últimos 40 anos, 11 hectares de áreas urbanizadas foram construídos em áreas sujeitas a alagamentos para cada 100 hectares expandidos, e o número é ainda maior em favelas, onde 17,3 hectares foram edificados em áreas de risco.
Pedrassoli destaca que a maioria das capitais brasileiras não possui planos de ação eficazes para enfrentar as mudanças climáticas, como sistemas de alerta, recuperação de áreas verdes e manutenção de infraestrutura.
A responsabilidade sobre a adaptação às mudanças climáticas não pode mais ser atribuída à falta de conhecimento ou de recursos, afirma Mendiondo. "Mesmo em municípios menores, os prefeitos têm a obrigação de buscar recursos e implementar soluções", argumenta. Ele também ressalta a importância de cobrar ações efetivas, especialmente em um ano eleitoral, em que 5.570 municípios do país terão eleições.
Para o professor Miguel Buzzar, do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP, a falta de uma educação urbana adequada é um dos grandes obstáculos para a preparação do país para o futuro. "Precisamos incluir educação urbana nas escolas, para que as crianças e jovens aprendam sobre a cidade e sua infraestrutura desde cedo", sugere Buzzar.
O cenário climático que o Brasil enfrenta atualmente é apenas uma amostra do que está por vir, e a adaptação à nova realidade será um desafio tanto para os gestores públicos quanto para a população em geral.
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