Política / Justiça
Internação de Bolsonaro vira palco político e embate com o STF: intimação expõe estratégia de vitimização
Ex-presidente reage com ataques e teatraliza abordagem judicial na UTI; projeto de anistia é travado na Câmara sob articulação de Hugo Motta
24/04/2025
15:30
DA REDAÇÃO
©DIVULGAÇÃO
Internado desde o último dia 11 no hospital DF Star, em Brasília, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) transformou o leito da UTI em palco político. Nesta quarta-feira (23), ele recebeu uma intimação judicial do Supremo Tribunal Federal (STF) e, em vez de recuar do embate, reagiu com radicalização verbal, comparações com o regime nazista e ataques diretos ao Judiciário. O episódio expõe o uso político de sua internação, ao mesmo tempo em que amplia o desgaste do projeto de anistia aos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.
Bolsonaro filmou e divulgou o momento em que uma servidora do STF, oficial de Justiça, entra na UTI para formalizar a citação — um procedimento previsto em lei. A reação do ex-presidente foi intensa: “Você só está cumprindo ordem aqui, mas o pessoal dos tribunais do Hitler também cumpria sua missão: colocavam judeus na câmara de gás. Todos pagaram seu preço um dia. Não vai ser diferente no Brasil”, disse.
Mesmo internado, Bolsonaro participou de entrevista ao SBT Brasil, no dia 21, e de uma live no dia 22, ao lado dos filhos Flávio Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro e Carlos Bolsonaro, além do ex-piloto Nelson Piquet. As transmissões demonstraram à Justiça que o ex-presidente estava lúcido e ativo, justificando a entrega da intimação.
A ação foi autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes (STF), que havia adiado a notificação pessoal do réu para respeitar o quadro clínico. Com o agravamento das tensões, Moraes reforçou que o processo contra Bolsonaro, por tentativa de golpe de Estado, seguirá tramitando conforme os preceitos constitucionais.
Bolsonaro afirmou que a intimação era ilegal e acusou o Supremo de atuar “em segredo de Justiça”. Especialistas, no entanto, sustentam que a conduta da oficial foi legal, ética e apropriada. A socióloga Esther Solano avalia que a encenação faz parte da estratégia bolsonarista de vitimização: “O bolsonarismo vive da imagem de um líder perseguido; o sofrimento físico reforça esse mito”.
Enquanto Bolsonaro dramatizava a intimação, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), articulava com líderes partidários para barrar o requerimento de urgência do projeto que anistia os condenados pelos atos do dia 8 de janeiro. O objetivo é impedir que a pauta, defendida pela bancada do PL — sob liderança do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) —, avance no Congresso.
Motta convocou uma reunião com líderes de 14 partidos e alinhou o discurso: é preciso “aperfeiçoar o texto” antes de levá-lo ao plenário. Enquanto isso, o PL ameaça romper com o presidente da Câmara e condicionar a liberação de emendas parlamentares à votação imediata do projeto.
O projeto original da anistia foi elaborado pelo deputado Rodrigo Valadares (União Brasil-SE), aliado direto de Bolsonaro. O texto prevê perdão amplo para todos os envolvidos em manifestações com motivação política desde o segundo turno das eleições de 2022 — o que inclui o próprio ex-presidente.
O vice-líder do governo na Câmara, deputado Rogério Correia (PT-MG), declarou que o projeto representa um “golpe continuado”. “Permitir anistia a esses que tramaram o golpe é dar outro golpe no Brasil”, afirmou Correia, reforçando que o governo trabalha para impedir a normalização da impunidade.
Na visão do cientista político Christian Lynch, da FGV, Bolsonaro utiliza uma “lógica antipolítica”: “Ele não aceita os limites da legalidade democrática quando esta o contraria, e recorre ao apelo direto às massas, típico do populismo autoritário”.
O historiador Timothy Snyder, citado por parlamentares da oposição, já alertava que “as democracias morrem por erosões legais e normalizações perigosas”, como no caso da tentativa de anistiar golpistas.
O impasse revela uma disputa entre dois caminhos: a defesa da legalidade, liderada por setores democráticos do Congresso e do Judiciário, e a pressão bolsonarista por impunidade. Para o filósofo Walter Benjamin, “todo fascismo é o resultado de uma revolução fracassada”. Essa frase resume o temor de que o perdão aos golpistas de 2023 alimente novos ataques ao Estado Democrático de Direito.
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